Segundo especialistas, existe um limite ético, porém complexo, do que postar ou não na internet
Na era das redes sociais, a busca por engajamento tem dominado o feed dos criadores de conteúdos. Porém, além da criatividade para gerar produtos de relevância que realmente despertem o interesse dos seguidores, alguns influenciadores, artistas e até pessoas comuns acabam passando do ponto na tentativa de chamar atenção e viralizar. Vale tudo pela audiência?
Não precisa voltar muito no tempo para se lembrar do post polêmico de Thiago Nigro, o Primo Rico, publicado no início de janeiro deste ano, que mostrava o feto do próprio filho dele no chão do banheiro, após aborto espontâneo sofrido por sua esposa, Mayra Cardi. “Já tinha bracinho, dedinho…”, narrava o influenciador, enquanto lamentava a perda.
Casos recentes reacenderam o debate sobre o que vale ou não ser postado: uma influenciadora compartilhou em detalhes o momento em que defecou nas calças durante uma corrida de rua; a atriz Isadora Ribeiro exibiu um vídeo logo após ser atingida pela tampa do porta-malas, ainda com o ferimento aberto e o sangue escorrendo pelo rosto; e o cantor sertanejo Pedro Henrique, da dupla com João Victor, se arrastou de propósito no chão, machucando as costas, apenas para tentar viralizar o clipe da sua nova música.
Outro exemplo é a ex-participante de “A Fazenda”, Bia Miranda, que divulga seu dia a dia em detalhes no Instagram. Ela já expôs brigas com a mãe, com o ex-marido e com o atual namorado; vídeos íntimos, com direito a momentos ‘quentes’; situações de vômitos na privada e mais recentemente publicou, quase em tempo real, stories do trabalho de parto e nascimento da filha Maysha. A bebê veio ao mundo prematuramente após mais um término com o namorado Samuel Santanna, conhecido como Gato Preto, – que por sua vez postava de São Paulo um vídeo beijando outra mulher.
Todos esses casos de exposição são somente gotas em um oceano. Porém, são registros que exibem o corpo, a dor e a vulnerabilidade — tudo em troca de um possível pico de audiência. E muitas vezes ele vem, tanto que aqueles que divulgam jogos de azar aproveitam esses momentos para postar publis de jogos de apostas, como o famoso “Tigrinho”. Mas, a que custo vem o engajamento e o lucro?
Saúde mental
O show da vida e a eterna busca por likes pode afetar o psicológico e demonstrar carências. De acordo com o psicólogo Cláudio Paixão, professor do curso de Ciência da Informação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), viver em uma bolha que tem como valor a exposição é viver baseado na aprovação do outro, nos likes ou nos dislikes.
“A espetacularização acaba promovendo um descolamento da realidade. O impacto psicológico pode começar a ser rastreado a partir daí, pois isso gera muita frustração, porque as pessoas começam a se ver a partir daqueles olhos. Então você vai rompendo o nível da realidade, passa a viver em um mundo irreal. Isso causa depressão e angústia porque as pessoas podem não corresponder, você pode ser amado num momento e depois não ser. Tem vários youtubers que tiraram a própria vida justamente porque foram cancelados. A reação das pessoas acabou desequilibrando esses indivíduos”, explica Paixão.
O especialista acrescenta que quem espetaculariza a própria vida começa a depender dessa atenção e se organiza para estar sempre ali, o que toma todo seu tempo e faz com que ela deixe de viver outras experiências.
“Essas pessoas, muitas vezes, também ficam impulsionadas a acompanhar outras pessoas nas redes. Então elas ficam rolando um feed infinito e a atenção é focada naquilo. Ela começa a ser monotemática, a viver em função daquelas postagens, a se desconectar de outras dimensões. Isso pode causar ansiedade, ‘a ansiedade do clique’, o medo de ficar fora, até a depressão. A sensação de que não é amada, curtida ou idolatrada como a algum tempo atrás”, ressalta.
Limite ético
Mas, será que existe um limite ético para o que deve ou não ser exposto nas redes? “Sim, existe um limite ético para o que deve ser exposto nas redes sociais, embora esse limite seja complexo, contextualmente dependente e frequentemente debatido. A ética nas redes sociais pode ser comprovada sob diversas perspectivas filosóficas, como a deontologia (foco em regras e deveres), o utilitarismo (consequências das ações) e a ética da virtude (caráter do indivíduo)”, afirma Eduardo Dias, especialista em tecnologia e inovações e professor no projeto Arnaldo 50+ da Uniarnaldo Centro Universitário.
Segundo ele, esse limite depende de princípios como respeito, responsabilidade e minimização de danos. “Os indivíduos devem refletir criticamente sobre o impacto de suas mensagens, considerando tanto os efeitos imediatos quanto os de longo prazo, enquanto as plataformas têm a responsabilidade de moderar conteúdos que violem esses princípios”.
Tornar público momentos privados sem levar em conta a exposição de outro indivíduo, como uma criança, por exemplo, pode ser problemático. “Expor crianças, pessoas em situações frágeis ou detalhes de saúde mental sem reflexão crítica pode ser antiético, especialmente se o objetivo é apenas atrair atenção. A exposição de menores, por exemplo, é regulamentada em muitos países por leis de proteção de dados, como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) no Brasil”, ressalta Dias.
De acordo com o professor, “compartilhar informações pessoais de terceiros sem permissão (como fotos ou histórias) viola o princípio do respeito à autonomia. Por exemplo, expor um momento íntimo de alguém sem consentimento pode causar danos emocionais e sociais”.
O profissional acrescenta que a busca por atenção online tem levado as pessoas a sacrificarem valores, recursos e bem-estar em prol da visibilidade. “A disposição para sacrificar tanto reflete um sistema onde a atenção é tratada como moeda. No entanto, esses sacrifícios têm custos de longo prazo, como a perda de conexões genuínas e o esgotamento psicológico. A filósofa Hannah Arendt alertou sobre a superficialidade de uma sociedade focada na aparência; nas redes, esse risco é ampliado”, pontua Dias.
Fonte: O Tempo