Na contramão, Brasil segue projetando alta na Selic
Uma Argentina afundada em crise de credibilidade no mercado global. Uma taxa de juros de 126% ao ano, a maior desde 1990. Inflação superando 200% ao ano. Foi nesse cenário econômico tenebroso que Javier Milei (foto) recebeu a faixa presidencial, há pouco mais de um ano.
Em seu discurso de posse em 10 de dezembro de 2023, o presidente argentino foi pragmático: “A única possibilidade é o ajuste. Um ajuste ordenado. Não há alternativa ao choque.”
Dito e feito.
Quatro dias depois, a taxa de juros foi reduzida em 26 pontos, para 100% ao ano. Encerrou março de 2024 com 80%. No mês seguinte, já estava em 40% ao ano. Seguido de pequenos ajustes, o mais recente na última sexta-feira, 31 de janeiro de 2025, o juro básico alcançou 29%, mínima desde outubro de 2020.
Milagres? Magias? Ou fez o básico-essencial?
Saindo pela tangente de qualquer discurso fanático com viés político, o fato é que Milei nada fez de milagroso ou místico para recuperar a credibilidade com o mercado.
Ele simplesmente fez o que todo e qualquer investidor (pequeno, médio ou grande) preocupado e incrédulo precisava: comunicou-se com clareza e firmeza, apresentando um planejamento econômico baseado em muitos debates com profissionais do mercado e empresários experientes.
Longe dos achismos partidários, o presidente da Argentina foi rigoroso na redução do peso da máquina pública. Realizou um ajuste fiscal equivalente a 5% do PIB argentino, com corte de 35% dos gastos do governo, incluindo todos os subsídios. E o sistema financeiro foi suavizando o risco-país dos hermanos.
Tudo resolvido? Claro que não!
A maior lição que o governo Milei deixa para os vizinhos sul-americanos, após o primeiro ano de mandato, é que, mesmo com todo o choque de ajustes econômicos e uma diferenciada comunicação com os investidores, não será rápido consertar falhas graves em décadas de gestão econômica.
Apesar de a inflação argentina ter sido reduzida dos expressivos 211% em 2023 para 117,8% em 2024, ela promete ser persistente, dada a enorme necessidade de, literalmente, impressão de dinheiro para bancar as dívidas públicas exponenciais, resultado dos mais de 30 anos sob taxas de juros de dois dígitos.
A verdade que ninguém te contou
Uma vez que a enorme dívida pública obriga a emissão de papel-moeda em ritmo frenético, o excesso de dinheiro em circulação leva à inevitável desvalorização da moeda por inflação cambial.
Vou te explicar sem “financês”.
A economia argentina depende significativamente de importações para setores como energia, tecnologia, bens de capital e alimentos.
Se o peso argentino perde valor em relação ao dólar, os produtos importados (como combustíveis, máquinas, tecnologia e alimentos processados) tornam-se mais caros.
Esses aumentos nos custos de importação são repassados para os consumidores, turbinando os preços gerais na economia, mesmo que a produção local não tenha sofrido mudanças significativas.
O resultado é um peso argentino que segue desvalorizando de forma linear frente ao dólar, diferente do que alguns veículos de comunicação tendenciosos noticiaram nas últimas semanas.
Um eventual refinanciamento da dívida pública, seja pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), seja por outros agentes do mercado, poderia ser o catalisador da missão quase impossível que Milei tem à sua frente.
O grande problema é descobrir quem está disposto a apostar o próprio dinheiro que o final será feliz.
Uma coisa é certa: apareceu um ponto de luz no topo da caverna.
Fonte: O Antagonista Pedro Kazan